LER É BACANA

" Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável... " Mario Vargas Llosa















Resumos de livros



São Bernardo - Graciliano Ramos]

1. O Autor

Ao contrário de outros romancistas de 30, Graciliano Ramos jamais teve qualquer nostalgia do universo em derrocada das velhas oligarquias rurais. Analisou a realidade de onde procedia com aspereza, mesmo sendo descendente, tanto pelo lado materno como pelo paterno, de senhores latifundiários. Isso se deve, provavelmente, à clareza de suas idéias. E também a experiências infantis frustrantes dentro da sociedade patriarcalista que aguçaram-lhe a sensibilidade para as misérias de um sistema injusto e apodrecido.

2. Introdução ao tema:

Segundo romance de Graciliano Ramos, São Bernardo [1934] é uma das obras mais expressivas da vertente regionalista do segundo modernismo brasileiro, voltado, na ficção, para o questionamento social e psicológico, para o desnudamento dos anacronismos de uma sociedade primitiva, violenta, pré-capitalista. As mazelas e desigualdades do Nordeste Brasileiro foram o fermento da retomada da atitude crítica do Realismo/Naturalismo, enriquecida com o instrumental analítico das novas teorias sociológicas e psicológicas, e com as conquistas do Modernismo de 1922. Graciliano Ramos construiu seu próprio caminho e usou, com parcimônia, tanto a leitura marxista da luta de classes e da mais-valia, como as invenções formais da 'fase heróica', desdobramento da Semana de 22. Teve o discernimento de evitar os 'clichês' esquerdizantes da época e se opôs ao 'à vontade', ao informalismo, que tentava mimetizar, literariamente, o linguajar regional, a fala sertaneja.

Ao contrário, foi homem de esquerda, sem limitar-se a uma visão unilateral; foi moderno, sem concessões aos 'ismos' e facilitações do Modernismo. Por isso, é tido como o melhor escrito de sua geração.

3. Enredo

Paulo Honório não sabia muito de seus pais nem de sua infância. Lembrava-se apenas de uma Margarida que vendia doces, a quem agora ele sustentava. Até os 18 anos trabalhou na enxada.

Depois de um tempo, cansado da antiga vida, resolveu morar na sua terra natal, Alagoas, já tencionando apropriar-se de São Bernardo.

Quando o velho Padilha [ dono das terras ] morreu, Paulo criou laços de amizade com seu filho Luís, logo emprestando-lhe dinheiro, tendo como garantia as terras. Paulo acabou por tomar-lhe São Bernardo com escritura e tudo o mais. No ano seguinte, Paulo teve que trabalhar muito.

Em uma de suas viagens a Maceió, encontrou um velho simpático chamado Ribeiro, guarda-livros da Gazeta. Resolveu levá-lo para a fazenda, já que a casa nova estava pronta.

Durante todo o tempo foi superando todos os obstáculos com meios lícitos e ilícitos.

Tudo começou a funcionar como Paulo queria e ele se tornava cada vez mais importante e respeitado. Alguns o criticavam, alegando que desejava possuir o mundo todo.

Paulo Honório mandou construir uma estrada, uma escola e uma igreja. Recebeu visita até do Governador. Depois mandou chamar Luís Padilha para ser professor na escola.

Uma idéia perseguia Paulo: a de se casar. Desejava um herdeiro para sua fazenda.

Numa noite, foi visitar o juiz Dr. Magalhães com a desculpa de um processo que estava em suas mãos, mas na verdade tinha interesse na filha do magistrado, D. Marcela. Chegando à casa do juiz encontrou muita gente e, entre outras pessoas, uma loirinha que o deixou impressionado, cuja tia encontrou mais tarde no retorno de uma viagem. A partir daí passou a freqüentar a casa delas até que pediu Madalena em casamento.

Padre Silvestre os casou. A casa e a fazenda agradaram a Madalena e a sua tia Glória. Tudo corria bem.

Madalena teve um menino. Completaram dois anos de casados. Daí por diante, Paulo começou a sentir ciúmes de sua esposa. Tinha uma certa desconfiança de todos os amigos. Observava o filho que nada tinha de parecido com ele. Ele só queria saber se sua esposa lhe era fiel. Se fosse, ele a faria a mulher mais feliz do mundo. A situação foi-se agravando. Paulo Honório desconfiava até do padre e dos caboclos. Estava quase louco. À noite, ouvia passos e assobios que acreditava serem sinais. Não dormia. Madalena, nas conversas, mantinha-se serena. Só dizia que caso morresse de repente queria que dessem seus vestidos à família do Mestre Caetano e a Rosa; e os seus livros ao seu Ribeiro, Padilha e Gondim. Até que um dia se suicidou.

Enterram Madalena. Paulo mudou de quarto. D.Glória e Seu Ribeiro foram-se. Estourou a Revolução. Padilha e Padre Silvestre incorporam-se às tropas revolucionárias. O outro ano foi terrível. Tudo andava mal, mas Paulo parecia não se incomodar. Era um homem só. Viúvo há dois anos. Um homem acabado. Sem amor, sem dinheiro, sem nada que resolve escrever um livro sobre sua vida.

4. Comentário crítico

São Bernardo é um romance de confissão, aparentado com Dom Casmurro. Narrado em primeira pessoa, Paulo Honório, após o suicídio de Madalena, solitário, decadente, põe-se a registrar a história de sua ascensão a dono da Fazenda São Bernardo, de sua tragédia conjugal e da aridez de sua vida afetiva. Como em Dom Casmurro, estão representados dois tempos: o tempo do enunciado [os eventos que ocorreram na vida de Paulo Honório] e o tempo da enunciação [ o momento em que se escreve o livro].

A duplicidade temporal está ligada ao problema do foco narrativo, monopolizado por um eu-protagonista que , distanciado no tempo, abrange com o olhar toda sua vida e procura recapitulá-la, contando-a para si e para o leitor. É esse distanciamento que lhe dá uma pseudo-onisciência e reforça a impressão de objetividade derivada do caráter de Paulo Honório: rude, seco, direto. Todavia, quando entramos no presente da enunciação, esse distanciamento desaparece e o caráter ativo do memorialista está emperrado, paralisado pela derrota definitiva que foi a morte da esposa Madalena.

A narrativa ganha uma textura diferente: a linguagem seca do tempo do enunciado cede lugar à lamentação elegíaca do tempo da enunciação. O ritmo rápido da narrativa é substituído pelos compassos lentos de uma reflexão problematizadora, difícil e tortuosa: 'Aqui sentado à mesa da sala de jantar, fumando cachimbo, bebendo café, suspendo às vezes o trabalho moroso, olho a folhagem das laranjeiras que a noite enegrece, digo a mim mesmo que esta pena é um objeto pesado. Não estou acostumado a pensar, levanto-me, chego à janela que deita para a horta.'

São Bernardo é uma das mais convincentes análises do sentimento de propriedade, do sentido atávico da posse, do ter anulando o ser, do cancelamento ético e afetivo na luta pela vida. As personagens e as coisas surgem no romance como meras modalidades do narrador, Paulo Honório, filho de pais incógnitos, guia de cego que se elevou a grande fazendeiro, respeitado e temido, graças à tenacidade infatigável com que manobrou a vida, pisando escrúpulos e sentimentos e visando por todos os meios o alvo que declara desde o início: 'O meu fito na vida foi apossar-me das terras de São Bernardo, construir esta casa...'. Como pano de fundo, o coronelismo, a sociedade patriarcal do Nordeste e a Revolução de 1930 e seus desdobramentos, que ecoam também no sertão e golpeiam o combalido [mas não arrependido] Paulo Honório.

Vidas Secas - Graciliano Ramos

Tem como personagens uma família de retirantes: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia.
      Formado por treze capítulos que se justapõem sem nexos lógicos, o enredo de Vidas Secas organiza-se principalmente pela proximidade entre o primeiro Mudança – a chegada da família de retirantes a uma velha fazenda abandonada e arruinada – e, o último, Fuga – a saída da família, que, diante de um novo período de seca, foge para o Sul.
      Do capítulo 2 ao 12, a família vive como agregada na fazenda, para cujo proprietário Fabiano trabalha. Assim, passa uma fase de descanso, em relação ao seu nomadismo, provocado pela seca.
      No entanto, além da tortura gerada pela lembrança do passado e pelo medo do futuro, o romance enfoca outras faces da opressão que se exerce sobre os membros da família – seja entre eles e os outros homens, os moradores da cidade, seja consigo próprios.
      No capítulo, Cadeia, por exemplo, Fabiano vai à cidade, bebe e joga com o soldado amarelo; quando resolve partir, este o provoca e o leva à cadeia, onde é preso e surrado. Um ano depois, Fabiano o reencontra, agora em seu território, a caatinga. Embora deseje vingança, acaba se curvando e ensinando o caminho ao soldado amarelo (cap. 11).
      No episódio Contas (cap. 10), Fabiano é lesado financeiramente pelo patrão. Embora as contas do patrão não coincidam com as da Sinhá Vitória, que as confere, Fabiano não se defende; ao contrário, humilha-se e pede desculpas.
      Outro exemplo de opressão e de falta de comunicação entre os seres da família animalizados pela misé-ria em que vivem, encontra-se no capítulo 6, em que o menino mais velho ouve a palavra inferno, acha-a bonita e procura aprender o seu significado com a mãe, que o repele brutalmente. Já no capítulo 7, Inverno, há uma cena em que a família se reúne numa noite de inverno, e Fabiano tenta contar histórias incompreensíveis enquanto os meninos passam frio.
      Enfim, a questão central do romance não está nos acontecimentos, mas nas criaturas que o povoam a narrativa.
     
Com a análise psicológica do universo mental das personagens, que expõem por meio de discurso indireto livre, o narrador nos vai decifrando sua humanidade embotada, confundida com a paisagem áspera do sertão, neste romance transcende o regionalismo e seu contexto específico – a seca do Nordeste, a opressão dos pobres, a condição animalesca em que vivem – para esculpir o ser humano universal.
     
Opiniões sobre Vidas Secas
      “O narrador não quer identificar-se ao personagem, e por isso há na sua voz uma certa objetividade de relator. Mas quer fazer as vezes do personagem, de modo que, sem perder a própria identidade, sugere a dele. [...] É como se o narrador fosse, não um intérprete mimético, mas alguém que institui a humanidade de seres que a sociedade põe à margem, empurrando-os para as fronteiras da animalidade. Aqui, a animalidade reage e penetra pelo universo reservado, em geral, ao adulto civilizado” (Antônio Cândido).
      Na opinião de Antônio Cândido sobre o enredo de Vidas Secas: “Este encontro do fim com o começo [...] forma um anel de ferro, em cujo círculo sem saída se fecha a vida esmagada da pobre família de retirantes-agregados-retirantes, mostrando que a poderosa visão social de Graciliano Ramos neste livro não depende [...] do fato de ele ter feito romance regionaliza ou romance proletário. Mas do fato de ter sabido criar em todos os níveis, desde o pormenor do discurso até o desenho geral da composição, os modos literários de mostrar a visão dramática de um mundo opressivo”. (Antônio Cândido)
    
 Resumo por capítulo
      1. Mudança
      Começando o livro, o narrador coloca diante do leitor o primeiro quadro:
      a) uma tomada à distância: a família no ambiente da seca.
      b) a caracterização de cada membro da família pelas suas atitudes.
      2. Fabiano
      O narrador mostra a desintegração progressiva de Fabiano:
      a) Fabiano e a vida
      b) Fabiano e a seca
      c) Fabiano, a família e a seca.
      3. Cadeia
      Continua o narrador a mostrar Fabiano diante da sociedade. Ele vai comprar querosene: está com água. Vai comprar chita: é cara. É levado ao jogo, não sabe se comunicar, e é preso.
      4. Sinhá Vitória
      A apresentação de Sinhá Vitória é semelhante à de Fabiano. Aparece a sua dificuldade de relacionamento com os meninos, com a Baleia, com Fabiano. Sua aspiração: ter uma cama.
      5. Menino mais novo
      Quer espantar o irmão e Baleia. Observa o pai montar a égua. Fabiano cai, de pé. Ele vibra. Sinhá fica indiferente diante da façanha do pai, ele não se conforma com a indiferença da mãe. Tenta se comunicar com o pai, mas não consegue, fica chateado. A Baleia dormia. Foi tentar conversar com a mãe, levou um cascudo. Dorme, Sonha com um mundo adulto. No dia seguinte tenta montar o bode, mas sai sem honra da façanha. Cai, leva coices.
      6. Menino mais velho
      Quer saber o que seja inferno. Sinhá Vitória fala em espetos quentes, fogueiras. Ele lhe perguntou se vira. A mãe zanga-se, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote. Baleia era o único vivente que lhe mostra simpatia.
      7. Inverno
      Família reunida em torna do fogo. Não havia conversa, apenas grunhidos. Ninguém entende ninguém, já são poucos humanos.
      8. Festa
      Iam à festa de Natal na cidade. Na cidade se vêem distantes da civilização. Fabiano não fala, mas admira a loquacidade das pessoas da cidade.
      9. Baleia
      A cachorra Baleia aparecera doente. Fabiano imaginara que ela estivesse com hidrofobia, e amarrara-lhes no pescoço um rosário de sabugo de milho queimado. Ela, de mal a pior. Resolvera matá-la.
      10. Contas
      Fabiano diante do imposto e da injustiça do patrão Nascera com esse destino, ninguém era culpado por nascer com destino ruim.
      11. O soldado amarelo
      Fabiano ia corcunda, parecia farejar o solo, quando encontrou o soldado amarelo. Lembrou-se do passado. Quis se vingar. Reviveu todo o passado. Pensou e repensou sua condição.
      O soldado, antes cheio de medo, vendo Fabiano acanalhado, ganha coragem, avançou, pisou firme, perguntou o caminho. E Fabiano tirou o chapéu de couro, curvou-se e ensinou o caminho ao soldado amarelo. “Governo é governo.”
      12. O mundo coberto de penas
      Depois do inverno, de novo seca anunciada nas arribações. Fabiano luta contra a natureza, atira nas arribações.
      13. Fuga
      O mesmo quadro do primeiro capítulo. No primeiro quadro os meninos se arrastavam atrás dos pais, neste os pais se arrastam atrás dos meninos. Os meninos corriam. Era o destino do Norte – O (nor)destino.
  Texto -  Fuga
      A vida na fazenda se tornara difícil. Sinhá Vitória benzia-se tremendo, manejava o rosário, mexia os beiços rezando rezas desesperadas. Encolhido no banco do copiar, Fabiano espiava a caatinga amarela, onde as folhas secas se pulverizavam, trituradas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas arribações tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre.
      Mas quando a fazenda se despovoou, viu que tudo estava perdido, combinou a viagem com a mulher, matou o bezerro morrinhento que possuíam, salgou a carne, largou-se com a família, sem se despedir do amo. Não poderia nunca liquidar aquela dívida exagerada. Só lhe restava jogar-se ao mundo, como negro fugido.
      Saíram de madrugada. Sinhá Vitória meteu o braço pelo buraco da parede e fechou a porta da frente com a taramela. Atravessaram o pátio, deixaram na escuridão o chiqueiro e o curral, vazios, de porteiras abertas, o carro de bois que apodrecia, os juazeiros. Ao passar junto às pedras onde os meninos atiravam cobras mortas, Sinhá Vitória lembrou-se da cachorra Baleia, chorou, mas estava invisível e ninguém percebeu o choro.
      Desceram a ladeira, atravessaram o rio seco, tomaram rumo para o sul. Com a fresca da madrugada, andaram bastante, em silêncio, quatro sombras no caminho estreito coberto de seixos miúdos – os meninos à frente, conduzindo trouxas de roupa, Sinhá Vitória sob o baú de folha pintada e a cabaça de água, Fabiano atrás de facão de rasto e faca de ponta, a cuia pendurada por uma correia amarrada ao cinturão, o aió a tiracolo, a espingarda de pederneira num ombro, o saco da malotagem no outro. Caminharam bem três léguas antes que a barra do nascente aparecesse.
      Fizeram alto. E Fabiano depôs no chão parte da carga, olhou o céu, as mãos em pala na testa. Arrastara-se até ali na incerteza de que aquilo fosse realmente mudança. Retardara-se e repreendera os meninos, que se adiantavam, aconselhara-os a poupar forças. A verdade é que não queria afastar-se da fazenda. A viagem parecia-lhe sem jeito, nem acreditava nela. Preparara-a lentamente, adiara-a, tornara a prepará-la, e só se resolvera a partir quando estava definitivamente perdido. Podia continuar a viver num cemitério? Nada o prendia aquela terra dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. Era o que Fabiano dizia, pensando em coisas alheias: o chiqueiro e o curral, que precisavam conserto, o cavalo de fábrica, bom companheiro, a égua alazã, as catingueiras, as panelas de losna, as pedras da cozinha, a cama de varas. E os pés dele esmoreciam, as alpercatas calavam-se na escuridão. Seria necessário largar tudo? As alpercatas chiavam de novo no caminho coberto de seixos.
      Agora Fabiano examinava o céu, a barra que tingia o nascente, e não queria convencer-se da realidade. Procurou distinguir qualquer coisa diferente da vermelhidão que todos os dias espiava, com o coração aos baques. As mãos grossas, por baixo da aba curva do chapéu, protegiam-lhe os ombros contra a claridade e tremiam.
      Os braços penderam, desanimados.
      – Acabou-se.
      Antes de olhar o céu, já sabia que ele estava negro num lado, cor de sangue no outro, e ia tornar-se profundamente azul. Estremeceu como se descobrisse uma coisa muito ruim.
      Desde o aparecimento das arribações vivia desassossegado. Trabalhava demais para não perder o sono. Mas no meio do serviço um arrepio corria-lhe no espinhaço, a noite acordava agoniado e encolhia-se num canto da cama de varas, mordido pelas pulgas, conjecturando misérias.
      A luz aumentou e espalhou-se pela campina. Só aí principiou a viagem. Fabiano atentou na mulher e nos filhos, apanhou a espingarda e o saco de mantimentos, ordenou a marcha com uma interjeição áspera.
      (RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 16. ed. São Paulo, Martins, 1967. p. 147-9).


Libertinagem - Manuel Bandeira
"O Quinze"  - Rachel de Queiroz
               
Análise da obra - Publicado em 1930,  O Quinze, é o primeiro e mais popular romance de Rachel de Queiroz, renovou a ficção regionalista. A autora exprime intensa preocupação social, apoiada, contudo, na análise psicológica das personagens, especialmente o homem nordestino, sob pressão de forças atávicas que o impelem à aceitação fatalista do destino. Há uma tomada de posição temática da seca, do coronelismo e dos impulsos passionais, em que o psicológico se harmoniza com o social.

Estrutura da obra
Linguagem - O sucesso do livro está atrelado à simplicidade da linguagem (a mais difícil das virtudes literárias!).
Sua linguagem é natural, direta, coloquial, simples, sóbria, condicionada ao assunto e á região, própria da linguagem moderna brasileira. A estas características deve-se ao não envelhecimento da obra, pois sua matéria está isenta do peso da idade.

Foco narrativo - O Quinze é romance narrado na terceira pessoa, ou seja, o narrador é a própria autora.

Personagens centrais -
Conceição - Não com os alunos, mas com a própria vida. Conceição é forte de espírito, culta, humana e com ideias um tanto avançadas sobre a condição feminina. O único homem que lhe despertou desejos é o primo Vicente. Conceição tem uma admiração antiga e especial pelo rapaz, talvez porque ele é real, sem as falsidades comuns dos moços bem-educados. Ao descobrir que ele não é tão puro, a admiração esfria, criando uma barreira intransponível para a realização plena do seu amor. Tinha vocação para solteirona: "Conceição tinha vinte e dois anos e não falava em casar. As suas poucas tentativas de namoro tinham-se ido embora com os dezoito anos e o tempo de normalista; dizia alegremente que nascera solteirona". Conceição sente-se realizada ao criar Duquinha, o afilhado que lhe doaram Chico Bento e Cordulina. É uma realização íntima, preenchendo o vazio da decepção amorosa.

Vicente - Filho de fazendeiro rico, com condições de mandar os filhos para a escola, Vicente, desde menino, quis ser vaqueiro. No início, isso causava tristeza e desgosto à família, principalmente à mãe, Dona Idalina. Com o tempo, todos passaram a admirar o rapaz. Vicente é o vaqueiro não-tradicional da região. Cuida do gado com um desvelo incomum, mas cuida do que é seu, ao contrário dos outros (Chico Bento é o exemplo) que cuidam de gado alheio. Tem boas condições financeiras, mas é humano em relação à família e aos empregados. Vicente tinha dentes brancos com um ponto de ouro. Na intimidade, quando se põe a pensar na vida e na felicidade, associa tais coisas à Conceição. Tem uma admiração superior por ela. Gradualmente, à medida que vai notando a maneira fria com que ela passa a tratá-lo, Vicente começa a descrer no amor e na possibilidade de casar e ser feliz.

Chico Bento - Chico Bento é o protótipo do vaqueiro pobre, cuidando do rebanho dos outros. Ele é o vaqueiro de Dona Maroca, da fazenda das Aroeiras, na região de Quixadá. Ele e Vicente são compadres e vizinhos. Como é peculiar da pobreza brasileira e nordestina, Chico Bento tem a mulher (Cordulina) e cinco filhos, todos ainda pequenos. Pedro, o mais velho, tem doze anos. Expulso pela seca e pela dona da fazenda, Chico Bento e família empreendem uma caminhada desastrosa em direção a Fortaleza. Perde dois filhos no caminho: um morre envenenado (Josias), o outro desaparece (Pedro). Antes de embarcar para São Paulo, é obrigado a dar o mais novo (Duquinha) para a madrinha, Conceição. De Fortaleza, Chico Bento e parte da família vão, de navio, para São Paulo. É o exílio forçado, é a esperança de vida melhor e, quem sabe, de riqueza para quem só conheceu miséria no Ceará.

Cordulina - É a esposa de Chico Bento. Personifica a mulher submissa, analfabeta, sofredora, com o destino atrelado ao destino do marido.
Josias - Filho de Chico Bento e Cordulina, tem cerca de dez anos de idade. Comeu mandioca crua e morreu envenenado na estrada.

Pedro - Filho de Chico Bento e Cordulina, é o mais velho, tem doze anos de idade. Desapareceu quando o grupo ia chegando a Acarape.

Manuel (Duquinha) - É o filho caçula de Chico Bento e Cordulina; tem dois anos anos de idade. Foi doado à madrinha, Conceição.

Paulo - Irmão mais velho de Vicente, ele é o orgulho dos pais (pelo menos no início). Estudou, fez-se doutor (promotor) e casou-se na cidade com uma moça branca. Depois de casado, passou a dedicar o seu tempo à família, quase não se interessando mais pelos pais e pelos irmãos. Só então os pais deram valor a Vicente.

Major - Fazendeiro rico na região de Quixadá. Entrega a administração da fazenda ao filho Vicente. Orgulha-se de ter um filho doutor: o Paulo, promotor em uma cidade do interior do Ceará.

Zefinha - Filha do vaqueiro Zé Bernardo. Conceição, acreditando numa conversa que tivera com Chiquinha Boa, acha que Vicente tem um caso com Zefinha.

Enredo - A obra O Quinze aborda a seca de 1915, descreve alguns aspectos da vida do interior do Ceará durante um dos períodos mais dramáticos que o povo atravessou. O enredo é interessante, dramático, mostrando a realidade do Nordeste Brasileiro e se dá em dois planos.

No primeiro plano enfoca o vaqueiro Chico Bento e sua família, o outro a relação afetiva de Vicente, rude proprietário e criador de gado, e Conceição, sua prima culta e professora. Conceição é apresentada como uma moça que gosta de ler vários livros, inclusive de tendências feministas e socialistas o que estranha a sua avó, Mãe Nácia que é representante das velhas tradições. No período de férias, Conceição passava na fazenda da família, no Logradouro, perto do Quixadá. Apesar de ter 22 anos, não dizia pensar em casar, mas sempre se "engraçava" à seu primo Vicente. Ele era o proprietário que cuidava do gado, era rude e até mesmo selvagem. Com o advento da seca, a família de Mãe Nácia decide ir para cidade e deixar Vicente cuidando de tudo, resistindo. Trabalhava incessantemente para manter os animais vivos. Conceição, trabalhava agora no campo de concentração onde ficavam alojados os retirantes, e descobre que seu primo estava "de caso" com "uma caboclinha qualquer". Enquanto ela se revolta, Mãe Nácia à consola dizendo:

"Minha filha, a vida é assim mesmo... Desde hoje que o mundo é mundo... Eu até acho os homens de hoje melhores."

Vicente se encontra com Conceição e sem perceber confessa as temerosidades dela. Ela começa a tratá-lo de modo indiferente. Vicente se ressente disso e não consegue entender a razão. As irmã de Vicente armam um namoro entre ele e uma amiga, a Mariinha Garcia. Ele porém se espanta ao "saber" que estava namorando, dizendo que apenas era solícito para com ela e não tinha a menor intenção de comprometimento. Conceição percebe a diferença de vida entre ela e seu primo e a quase impossibilidade de comunicação. A seca termina e eles voltam para o Logradouro.

O segundo plano é, sem dúvida, a parte mais importante do livro. Apresenta a marcha trágica e penosa do vaqueiro Chico Bento com sua mulher e seus 5 filhos, representando os retirantes. Ele é forçado a abandonar a fazenda onde trabalhara. Junta algum dinheiro, compra mantimentos e uma burra para atravessar o sertão. Tinham o intuito de trabalhar no Norte, extraindo borracha. No percurso, em momento de grande fome, Josias, o filho mais novo, come mandioca crua, envenenando-se. Agonizou até a morte. O seu fim está bem descrito nessa passagem:

"Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra das mesma cruz."

Uma cena marcante na vida do vaqueiro foi a de matar uma cabra e depois descobrir que tinha dono. Este o chamou de ladrão, e levou o resto da cabra para sua casa, dando-lhes apenas as tripas para saciarem. Léguas após, Chico Bento dá falta do seu filho mais velho Pedro. Chegando ao Aracape, lugar onde supunha que ele pudesse ser encontrado, avista um compadre que era o delegado. Recebem alguns mantimentos mas não é possível encontrar o filho. Ficam sabendo que o menino tinha fugido com comboeiros de cachaça. Notem:

"Talvez fosse até para a felicidade do menino. Onde poderia estar em maior desgraça do que ficando com o pai?"

Ao chegarem no campo de concentração, são reconhecidos por Conceição, sua comadre. Ela arranja um emprego para Chico Bento e passa a viver com um de seus filhos. Conseguem também uma passagem de trem e viajam para São Paulo, desistindo de trabalhar com a borracha.






Capitães de areia

O romance que faz parte das obras de 1ª fase do imortal escritor baiano, que, naquela época, comunista partidário, procurava imprimir às suas obras uma visão crítica das contradições sociais do capitalismo. Daí a designação "romances proletários" para as obras dessa fase.
Publicado em 1937, Capitães da Areia é o sexto romance de Jorge Amado, um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros do século 20. No prefácio ao livro, escreve o romancista que, com essa obra, encerra o ciclo de "os romances da Bahia".
Resumo do enredo:                                                                                     Os Capitães da Areia são um grupo de meninos de rua. O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, via uma sequência de pseudo-reportagens, explica-se que os Capitães da Areia são um grupo de menores abandonados e marginalizados, que aterrorizam Salvador. Os únicos que se relacionam com eles são Padre José Pedro e uma mãe-de-santo. O Reformatório é um antro de crueldades, e a polícia os caçam como os adultos antes do tempo que são. A primeira parte em si, "Sob a lua, num velho trapiche abandonado" conta algumas histórias quase independentes sobre alguns dos principais Capitães da Areia (o grupo chegava a quase cem, morando num trapiche abandonado, mas tinha líderes).

Pedro Bala, o líder, de longos cabelos loiros e uma cicatriz no rosto, uma espécie de pai para os garotos, mesmo sendo tão jovem quanto os outros, e depois descobre ser filho de um líder sindical morto durante uma greve; Volta Seca, afilhado de Lampião, que tem ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro; Professor, que lê e desenha vorazmente, sendo muito talentoso; Gato, que com seu jeito malandro acaba conquistando uma prostituta, Dalva; Sem-Pernas, o garoto coxo que serve de espião se fingindo de órfão desamparado (e numa das casas que vai é bem acolhido, mas trai a família ainda assim, mesmo sem querer fazê-lo de verdade); João Grande, o "negro bom" como diz Pedro Bala, segundo em comando; Querido-de-Deus, um capoeirista que é só amigo do grupo; e Pirulito, que em grande fervor religioso. O ápice da primeira parte vem em duas partes: quando os meninos se envolvem com um carrossel mambembe que chegou na cidade, e exercem sua meninez; e quando a varíola ataca a cidade e acaba matando um deles, mesmo com Padre José Pedro tentando ajudá-los e se encrencando por isso. A segunda parte, "Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos", surge uma história de amor quando a menina Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia", e mesmo que inicialmente os garotos tentem tomá-la a força, ela se torna como mãe e irmã para todos.

Mas Professor e Pedro bala se apaixonam por ela, e Dora se apaixona por Pedro Bala. Quando Pedro e ela são capturados (ela em pouco tempo passa a roubar como um dos meninos), eles são muito castigados, respectivamente no Reformatório e no Orfanato. Quando escapam, muito enfraquecidos, se amam pela primeira vez na praia e ela morre, marcando o começo do fim para os principais membros do grupo. "Canção da Bahia, Canção da Liberdade", a terceira parte, vai nos mostrando a desintegração dos líderes. Sem-Pernas se mata antes de ser capturado pela polícia que odeia; Professor parte para o RJ para se tornar um pintor de sucesso, entristecido coma morte de Dora; Gato se torna uma malandro de verdade, abandonando eventualmente sua amante Dalva, e passando por ilhéus; Pirulito se torna frade; Padre José Pedro finalmente consegue uma paróquia no interior, e vai para lá ajudar os desgarrados do rebanho do Sertão; Volta Seca se torna um cangaceiro do grupo de Lampião e mata mais de 60 soldados antes de ser capturado e condenado; João Grande torna-se marinheiro; Querido-de-Deus continua sua vida de capoeirista e malandro; Pedro Bala, cada vez mais fascinado com as histórias de seu pai sindicalista, vai se envolvendo com os doqueiros e finalmente os Capitães da Areia ajudam numa greve. Pedro Bala abandona a liderança do grupo, mas antes os transforma numa espécie de grupo de choque.

Assim Pedro Bala deixa de ser o líder dos Capitães da Areia e se torna um líder revolucionário comunista. Este livro foi escrito na primeira fase da carreira de Jorge Amado, e nota-se grandes preocupações sociais. As autoridades e o clero são sempre retratados como opressores (Padre José Pedro é uma exceção mas nem tanto; antes de ser um bom padre foi um operário), cruéis e responsáveis pelos males. Os Capitães de Areia são heróicos, "Robin Hood"'s que tiram dos ricos e guardam para si (os pobres). O Comunismo é mostrado como algo bom, e o Padre José Pedro tem dúvidas quanto a posição da Igreja quanto ao assunto. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas existenciais dos garotos os transforma em personagens únicos e corajosos, corajosos Capitães da Areia de Salvador.
Apresentação de algumas personagens
A personagem Pedro Bala é apresentada da seguinte forma pelo narrador: "É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem 15 anos. Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos" (p. 21). Era loiro, 15 anos, tinha um talho no rosto, provocado por uma briga com o antigo chefe do bando, Raimundo, na disputa pela sua liderança. E, apesar de não participar de todas as cenas, Pedro Bala irá servir como linha condutora de toda a história, dando um caráter coesivo aos diversos quadros que são apresentados ao longo da narrativa.

O grupo liderado por Pedro Bala beirava o número de cem e era composto por:
  João Grande, o "negro bom", nos dizeres do próprio Pedro Bala: "Engajou com 9 anos nos Capitães da Areia, quando o Caboclo ainda era o chefe e o grupo pouco conhecido, pois o Caboclo não gostava de se arriscar. Cedo João Grande se fez um dos chefes" (p. 23);
  Volta Seca, que tinha ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro (posteriormente integra-se ao grupo de Lampião, transformando-se em um frio e sanguinário assassino);
  Professor, que recebe este apelido por gostar de ler e desenhar. Assim o narrador o apresenta: "João José, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histórias numa estante de uma casa da Barra, se tomara perito nestes furtos. Nunca, porém, vendia os livros, que ia empilhando num canto do trapiche, sob tijolos, para que os ratos não os roessem. Lia-os todos numa ânsia que era quase febre" (p. 25).
  Gato, sujeito conquistador, vive entre as prostitutas, com seu jeito malandro atrai uma delas: Dalva;
  Sem-Pernas, garoto deficiente de uma perna, que serve de espião para o grupo. Fazia-se de órfão desamparado para ser acolhido pelas famílias e, assim, com a confiança destas, conhecia cada ponto estratégico de suas residências, retransmitindo tais informações ao grupo. É em uma dessas casas que Sem-Pernas é bem acolhido por um casal que perdera o filho pequeno. Nesse episódio a personagem vive um grande conflito: sente remorsos por ter de roubar aqueles que lhe acolheram com a um filho, ficando, dessa forma, divido entre passar as informações da casa para os companheiros e ser leal à família. Decide-se por manter-se fiel aos "capitães da areia";
  Pirulito, "magro e muito alto, uma cara seca, meio amarelada, os olhos encovados e fundos, a boca rasgada e pouco risonha" (p. 28). Era o único do grupo que tinha vocação religiosa, embora pertencesse aos Capitães da Areia;
  Dora, a única mulher do grupo, tinha quatorze anos, era muito simples, dócil e bonita. Representará para os Capitães da areia a figura da madre protetora, que dará colo, carinho e atenção, e também, a figura da irmã que para eles até então inexistia. Já para Pedro Bala, Dora será a "noiva" e a "esposa". Morre ardendo em febre e seu corpo é levado ao mar, onde será "sepultado" com a ajuda de padre José Pedro, que, mais uma vez indo contra a lei e a moral estabelecidas, decide ajudar os meninos do Trapiche. Dora será uma personagem de fundamental importância na construção da lógica do romance. Será por sua causa que Pedro Bala, apaixonado, iniciará sua transformação e tomada de consciência rumo à ação política e.social.                                                                         O emprego metonímico para a apresentação das personagens nas narrativas os personagens são apresentados por meio da descrição de suas características. Como pudemos ver acima, o romance de Jorge Amado vale-se da metonímia, figura de linguagem que consiste em tomar a parte para representar o todo.


Libertinagem é o quarto livro de poemas de Manuel Bandeira, mas é o seu primeiro livro verdadeiramente moderno e importante. É uma sucessão de poemas espantosos, cheios de novidade, humor, erotismo, refinamento musical, força de imagens – tudo isso produzindo uma intensidade emocional que, às vezes, aproxima-se do piegas, mas nunca cai nele.

(Esse é um dos aspectos fortes da poesia de Bandeira: levar a simplicidade até a beira da sentimentalidade, mantendo-se sempre, com mestria e finura, longe de qualquer vulgaridade.)

Alguns dos poemas mais famosos de Bandeira fazem parte deste livro: “Pneumotórax”, cena de humor negro envolvendo um tuberculoso e um médico infame; “Pensão familiar”, cena do cotidiano de uma “pensãozinha burguesa”, com o inesquecível gatinho que “faz pipi” e “encobre cuidadosamente a mijadinha” – “a única criatura fina da pensãozinha burguesa”; “Profundamente”, um dos grandes poemas da morte deste grande poeta da morte, e, talvez o mais célebre de seus poemas, “Vou-me embora pra Pasárgada”, deliciosa utopia que apresenta a fantasia de um país em que todos os desejos se satisfazem, especialmente os desejos sexuais:

“Vou-me embora prá Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora prá Pasárgada” (...)



Amar Verbo Intransitivo - Mário de Andrade

Este romance é definido pelo autor como Idílio (s. m. Pequena composição poética, campestre ou pastoril; amor simples e terno; sonho; devaneio.) e abusa das técnicas modernas, usando uma linguagem coloquial, perto do falar brasileiro (por exemplo, começando frases por pronomes oblíquos), sem capítulos definidos, prosa telegráfica, expressionismo, construído através de flashs, resgatando o passado ou fixando o presente.
Publicado em 1927, o Idílio causou impacto. Desafiou preconceitos, inovou na técnica narrativa.
Sem nenhum prêambulo, Souza Costa e Elza surgem no livro. Souza Costa é o pai de uma típica família burguesa paulista do início do século. Elza, uma alemã que tinha por profissão iniciar sexualmente os jovens. Professora de amor.
Souza Costa contrata os "serviços" de Elza (que por todo o livro é tratada por Fräulein - senhora em alemão) com o intuito de que seu filho inicie sua vida sexual de forma limpa, asséptica, sem se "sujar" com prostitutas e aproveitadoras. Ela afirma naturalmente que é uma profissional, séria, e que não gostaria de ser tomada como aventureira. Oficialmente, Fräulein seria a professora de alemão e piano da família Souza Costa.
Carlos aparece brincando com as irmã, ainda muito "menino". Fräulein se ressente por não prender a atenção de Carlos no início, ele era muito disperso, mas gradualmente vai envolvendo-o na sua sedução. Eles tinham todas as tardes aulas de alemão e cada vez mais Carlos se esforçava para aprender (o alemão?!) e aguardava ansioso as aulas.
Fräulein, em momentos de devaneios, criticava os modos dos latinos, se sentia uma raça superior, admirava e lia incessantemente os clássicos alemães, Goethe, Schiller e Wagner. Compreendia o expressionismo mas voltava à Goethe e Schiller. A esposa de Souza Costa, vendo as intimidades do filho para com ela, resolve falar com Elza e pedir para que deixem a família. Fräulein esclarece seu propósito de forma incrivelmente natural, e após uma conversa com o marido, a mãe decide que é melhor para seu filho que ela continuasse com suas lições.
O livro é permeado de digressões. Mário de Andrade freqüentemente justifica alguns pontos (antes que o critiquem), analisa fatos, alude à psicologia, à música e até mesmo à Castro Alves e Gonçalves Dias. Mário compara a vida dos extrangeiros nos trópicos, entre Fräulein e um copeiro japonês. Mostra a dicotomia de pensamento de Fräulein entre o homem-da-vida (prático, interessado no dinheiro do serviço) simbolizado por Bismarck - responsável pela unificação da Alemanha em 1870 à ferro e fogo e Wagner, retratando o homem-do-sonho. O homem-do-sonho representa seus desejos, suas vontades, voltar a terra natal, casar e levar uma vida normal. Mas quem vence em Fräulein é o homem-da-vida, que permite que ela continue o serviço sem se questionar.
Carlos após ter tido "a"aula mestra, começa a viciar-se em "estudar". Certamente a didática de Fräulein era muito boa. Era tempo para Fräulein se despedir, tendo este trabalho concluído. Ela sabia que os afastamentos eram sempre seguidos de muitos protestos e gritos. Souza Costa surpreende Carlos com Fräulein (tudo já armado) e utiliza-se deste pretexto para separá-los. Carlos reage defende Fräulein, mas mesmo ele fica aturdido diante do argumento do pai: e se ele tivesse um filho? Ainda relutante, ele deixa-a ir.
Depois algumas semanas apático, Carlos volta a viver normal. O livro acaba mas continua. Escreve Mário de Andrade - "E o idílio de Fräulein realmente acaba aqui. O idílio dos dois. O livro está acabado. Fim. (...) O idílio acabou. Porém se quiserem seguir Carlos mais um poucadinho, voltemos para a avenida Higienópolis. Eu volto."
Após se recupear, Carlos avista acidentalmente Fräulein, já em um novo trabalho, e apenas saudou-a com a cabeça. A vida continua para Carlos. Fräulein ainda iria seguir com 2 ou mais trabalhos para voltar à sua terra.



Obra - Macunaíma - Mário de Andrade - Modernismo  - 

por Luci Rocha   (Resumo por capítulo)      Relata o nascimento do herói, "preto retinto, filho do medo na noite", nascido de uma índia tapanhumas no meio da selva, Macunaíma aprende tardiamente a falar, mas, quando o faz (com 6 anos ao lhe darem água no chocoalho), tem pronto o seu bordão: "Ai, que preguiça!..."
     
Cap.I - MACUNAÍMA
  

      Tinha dois irmãos, Jiguê e Maanape, um velhinho feiticeiro. A diversão de Macunaíma era decepar cabeças de saúva e tomar banho nu junto com a família e as cunhãs, cujas partes íntimas agradavam muito o herói; enquanto "guspia"na cara dos machos.
      À noite, de cima de sua rede onde dormia, mijava quente na velha mãe, sonhando imoralidades e dando coices no ar.
      A companheira de Jiguê, Sofará, ajudava a cuidar de Macunaíma, levando-o ao mato para passear, mas chegando lá ele se transformava em um lindo príncipe e "brincava" muito com ela. Quando Jiguê chegava na maloca e encontrava o serviço por fazer, catava os carrapatos dela e dava-lhe uma grande surra, a qual recebia calada.
      Macunaíma conseguiu capturar uma anta quando estava no mato com com Sofará. Neste dia a cunhã se transformou em uma onça suçuarana e "brincou" violentamente com o herói, sendo assistidos por Jiguê.
      Este, deu uma surra no herói , levando Sofará de volta ao pai.
      "O berreiro foi tão grande que encurtou o tamanho da noite e os pássaros caíram de susto e transformaram em pedras."
      Cap.II - MAIORIDADE
      Jiguê arranja uma companheira nova, Iriqui, que trazia escondido um ratão na maçaroca dos cabelos.
      Falta o que comer na maloca e para se divertir às custas dos manos, Macunaíma mente que tem timbó no rio, assim eles passam o dia todo procurando timbó, enquanto o herói afirma que timbó já tinha sido gente um dia...
      Faz uma mágica para a mãe levando-a para o outro lado do rio, onde havia fartura de caça e frutas, mas ao perceber que a mãe pretende levar alimentos para os outros, transporta-a de volta sem nada. Com raiva, a velha leva-o para o Cafundó do Judas, abandonando-o onde não poderia crescer nunca mais; lá encontrou Currupira, de cuja perna cortou um pedaço e deu para Macunaíma comer, intencionando devorá-lo depois. Macunaíma foge, enquanto Currupira chama pelo pedaço de sua perna que lhe responde: "O que foi?". Assim, ele vomita o pedaço de carne e some.
      Uma cotia derrama-lhe uma poção mágica que o faz crescer, contudo assustado desvia e a cabeça do herói não é atingida pela magia, ficando com cara de piá.
      Chegando na maloca, fica sozinho com Iriqui e "brinca" com ela, tornando-se seu companheiro. Em uma caçada, persegue uma viada matando-a, ao chegar perto desmaia: a viada era sua velha mãe!
      "Então Macunaíma deu a mão para Iriqui, Iriqui deu a mão pra Maanape, Maanape deu a mão pra Jiguê e os quatro partiram por esse mundo"
      Cap.III - CI, A MÃE DO MATO
      Um dia encontrou Ci dormindo no mato e quis "brincar"com ela, porém a cunhã defendeu-se violentamente, os manos precisaram acudi-lo, pois Ci o estava quase matando. Depois de uma paulada na cabeça, ela desmaiou e o herói pôde "bricar"com a mãe do mato. Agora virara Imperador do Mato Virgem, por isso muitas jandaias, araras, tuins, coricas, periquitos etc, vieram saudar Macunaíma.
      Passara agora a viver com Ci, por quem se apaixorara depois de com ela "brincar" em uma rede trançada por ela com os próprios cabelos. Depois de seis meses tiveram um filho que logo morreu ao mamar no peito da mãe, pois este estava contaminado pelo veneno da Cobra Preta.
      Neste dia Ci entraga a Macunaíma uma muiraquitã e sobe ao céu, transformando-se Na Beta do Centauro e no túmulo do filho nasceu um pé de guaraná.
      "Com as frutinhas piladas dessa planta é que a gente cura muita doença e se refresca durante o calorão de Vei, a Sol".
      Cap. IV - BOIÚNA LUNA
      Fez da muiraquitã um tembetá pendurado no beiço inferior e padeçou muita saudade de Ci. Assim, choroso, seguiu viagem com os manos, sempre acompanhado das jandaias, araras etc.
      Neste capítulo, o narrador relata a lenda do surgimento da Lua. Esta era a boiúna Capei que deveria possuir uma virgem de nome Naipi, porém Naipi entregara sua virgindade ao moço Titçatê. Capei transformou Naipi em uma cachoeira chorosa e o moço em uma planta de flores roxas. Macunaíma ouviu a história da Cascata e disse-lhe que tinha vontade de matar Capei por isso. Capei saiu de baixo de Naipi, onde morava vigiando o sexo da moça e partiu para se vingar do herói. Macunaíma arrancou-lhe a cabeça e este membro de Capei tornou-se escravo dele sempre perseguindo-o, por fim resolveu subir ao céu e lá ficou morando para sempre.
      Ele perde o talismã nessa correria e o passarinho uirapuru conta-lhe que a pedra fora achada por um mariscador e vendida pra um regatão peruano chamado Venceslau Pietro Pietra, Piaimã, o gigante comedor de gente que andava com os calcanhares para frente, enriquecera e agora morava na cidade de São Paulo.
      "Então Macunaíma contou o paradeiro da muiraquitã e disse pros manos que estava disposto a ir em SP procurar esse tal Venceslau P. P. e retomar o tembetá roubado."
      Cap.V - PIAIMÃ
      Macunaíma deixa a consciência na ilha de Marapatá, sobre um pé de caruru e ruma pra SP junto com seus manos através do rio Araguaia.
      Sem perceber tomou banho em uma água encantada e ficou branco, louro e de olhos azuizinhos, os irmãos também entraram na água, porém já suja do negrume do herói, Jiguê ficou vermelho e Maanape só molhou as palmas das mãos que ficaram mais claras. E seguiram levando uma parte do tesouro da icamiabas.
      Chegando em SP a comitiva de pássaros se despedem dele. Olhava pro céu, sentia saudade de Ci, mas conheceu a moças brancas (Mani! Mani! filhinhas da mandioca...") com quem "brincou" por quatrocentos bagarotes.
      Tudo para ele era estranho na cidade e foi aprendendo o nome das coisas ( bondes, automóveis, relógio, faróis, rádios, telefones, postes chaminés) as quais chamava de Máquina. Concluiu então que "os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram homens."
      Macunaíma saiu com Maanape em busca de Piaimã e da muiraquitã, mas o herói foi pego pelo gigante que o queria devorar. Maanape, ajudado por uma formiga sarará e um carrapato, conseguiu trazer o herói de volta à pensão e ressucitou-o com guaraná. Pensou em arranjar uma arma para matar o gigante e foi pedir aos ingleses.
      "Agora dou minha garrucha pra você e quando alguém bulir comigo você atira. Então virou
      Jiguê na máquina telefone, ligou pro gigante e xingou a mãe dele".
      Cap.VI - A FRANCESA E O GIGANTE
      Tentando enganar o gigante, virou Jiguê em telefone e disse a Venceslau que uma francesa iria visitá-lo. Transformado em uma francesa linda foi para tentar negociar a muiraquitã, mas o gigante queria possuí-lo antes de entregar a pedra.
      Piaimã descobre que o herói está tentando enganá-lo e tenta pegá-lo; Macunaíma corre muito,
      atravessando vários Estados do Brasil e só se livra do gigante quando este tenta tirá-lo de um buraco e pega no "sim-sinhô" do herói arremessando-o longe.
      Descobriu que Venceslau era um colecionador célebre e ele não, ficou contrariado e resolveu que colecionaria palavrões.
      "Ai! Que preguiça!..."
      Cap. VII - MACUMBA
      Para se livrar de Piaimã, ele resolve ir ao RJ, no terreiro da tia Ciata, pedir ajuda pro Exu diabo. O herói experimentou a cachaça e soltava gargalhadas escandalosas, por isso todos pensavam que o santo abaixaria nele naquela noite. De repente uma polaca pulou no meio da roda, era Exu que havia possuído a moça. Macunaíma ficou excitado de vê-la caída daquele jeito e correu brincar com ela no meio da roda.
      Pediu à entidade que judiasse muito de Piaimã e, através do corpo da polaca, Macunaíma ia fazendo as maldades para o gigante que quase morria de tanto sofrer...
      "E os macumbeiros, Macunaíma, Jaime Ovalle, Dodô, Manu Bandeira, Blaise Cendrars,
      Ascenso Ferreira, Raul Bopp, Antônio Bento, todos esses macumbeiros saíram na madrugada".
      Cap.VIII - VEI, A SOL
      Seguindo, Macunaíma topou com a árvore Volomã, cujos galhos estavam carregadinhos de variadas frutas; pediu uma e Volomã negou. Então o herói pronunciou algumas palavras mágicas e todas foram para o chão. Irada, Volomã atirou-o pelos pés em uma ilha deserta. Demorou tanto a cair que dormiu durante o percurso. Lá um urubu fez necessidade em sua cabeça e, po isso, ninguém se dispunha a trazê-lo de volta, pois estava fedendo muito.
      Vei, a Sol deu-lhe carona em sua jangada juntamente com suas três filhas, pois pretendia torná-lo seu genro. Mas para isso disse-lhe que não poderia brincar com nenhuma outra cunhã. Nem bem saíram para iluminar o dia, Macunaíma encontrou uma portuguesa com quem brincou demoradamente. Quando chegaram encontraram o herói dormindo com ela na jangada. Vei se zangou e não consentiu que o herói se casasse com nenhuma. À noite uma assombração comeu a portuguesa e o herói voltou para a pensão.
      "Pouca saúde e muita saúva, os males do brasil são!"
      Cap. IX - CARTA PRAS ICAMIABAS
      Com um vocabulário erudito, escreve uma carta pras icamiabas, tentando relatar-lhes as aventuras pelas quais estavam passando ele e seu dois irmãos. Explica-lhes como os paulistanos as chamam, por amazonas, e como estes nunca ouviram falar da muiraquitã tão conhecida e respeitada entre as icamiabas.
      Sobre o dinheiro ,chama-o de "o curriculum vitae da civilização", para explicar que as mulheres cobram para brincar. Prolonga-se na tentativa de descrever o comportamento das mulheres paulistanas: como se vestem, como se casam. Fala dos prostíbulos, da política, vida pública em geral e, por fim, descreve a cidade de São Paulo sempre com um linguajar prolixo
      "Vazada num vernáculo pernosticamente castiço, com evidente intenção satírica, visando os puristas da belle époque e todos aqueles mais afeitos à dicção portuguesa."( Massud de Moisés - História da Literatura Brasileira).
      "Ora, sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra."
      Cap.X - PAUÍ-PÓDOLE
      Enquanto aguardava uma chance de recuperar a muiraquitã, Macunaíma passeava pela cidade. Foi assim que encontrou uma cunhã vendendo flores e quando o herói passou por ela, esta colocou-lhe uma flor na botoeira da camisa, orifício que ele chamou de "puíto", segundo o narrador, um palavrão muito feio.
      Puíto pegou e virou moda.
      Depois de uma semana, resolveu ir ao parque ver os fogos. No caminho encontrou Fraülen ( personagem do livro Amar, verbo intransitivo) e foi com ela.
      Observando um mulato explicar sobre o dia do Cruzeiro, Macunaíma resolve desmenti-lo e contar sua versão: Pauí-Pódole era o pai do Mutum, um pássaro que fora perseguido por um feiticeiro que tentou
      matá-lo. Por isso Pauí resolveu morar no céu e pediu para que seu compadre vagalume alumiasse o caminho dele. Vários vagalumes o acompanharam e po isso esse caminho de estrelas pode ser explicado.
      Cap. XI - A VELHA CEIUCI
      Sempre mentindo, Macunaíma convidou os manos pra caçar. Pegou dois ratos chamuscados no fogo, comeu-os e disse aos vizinhos que tinha matado dois viados catingueiros.
      Depois de desmentido pelos manos, ficou chateado e começou a ter lembranças do Mato e de Ci.
      Então ficaram juntos lembrando do passado.
      O herói fumou fava de paricá para ter sonhos gostosos. No outro dia causa uma grande confusão quando convence os manos a procurarem rasto de tapir na frente da bolsa de mercadorias, quase foi linchado e preso
      Um dia resolveu pescar no igarapé Tietê e encontrou a velha Ceiuci, esposa de Piaimã. Ela capturou o herói e levou-o para casa. A filha mais nova da velha gostou de Macunaíma , "brincou" com ele e deixou-o fugir. A velha transformou a filha em um cometa e correu o Brasil inteiro atrás do herói. Ele pegou carona com um tuiuiu e voltou para a pensão.
      "A filha expulsa corre no céu, batendo perna de déu em déu."
      Cap.XII - TEQUETEQUE, CUPINZÃO E A INJUSTIÇA DOS HOMENS.
      Piaimã viaja à Europa para descansar da sova e Macunaíma fica muito frustrado. O mano Jiguê tem a idéia de irem atrás do gigante, porém Maanape conclui que o melhor é que Macunaíma se finja de pianista e vá sozinho por conta do governo. Macunaíma prefere se passar por pintor, porém não consegue nada .
      Além disso, agora tinha perdido quarenta contos ao comprar de um tequeteque (mascate) um gambá que,supostamente, soltava moedas de prata quando fazia necessidades.
      Então resolveu que não ia à Europa e decidiu procurar uma panela com dinheiro enterrado, não achando convida os manos para jogarem no bicho.
      Numa praça, quando refletia sobre a injustiça dos homens, viu um tico-tico e um chupim, este chorava atrás do outro pedindo comida e o pássaro tentava sustentá-lo achando que fosse seu filhote, então Macunaíma matou o tico-tico para acabar com a injustiça. Mais adiante encontrou um macaco comendo coquinhos, o bicho disse ao herói que estava comendo seu próprios toaliquiçus (bolsa escrotal), deu um pouco para o herói que gostou muito e resolveu comer os dele também. Pegou um paralelepípedo e esmigalhou seus "toaliquiçus", morrendo de dor.
      Um advogado encontra Macunaíma morto e leva-o para a pensão, chegando lá, Maanape ressuscita o mano com guaraná; acorda, pede uma centena a Maanape e joga no bicho...
      "Maanape era feiticeiro".
      Cap.XIII - A PIOLHENTA DO JIGUÊ
      Jiguê arrumou uma outra companheira de nome Susi, a qual em pouco tempo já estava namorando e "brincando" com Macunaíma. Quando ia à feira comprar macacheira, levava o herói junto e com ele brincava toda a tarde. Jiguê, desconfiado, deixa a companheira em casa e passa a fazer a feira sozinho, enquanto Susi fica em casa catando os piolhos da cabeleira vermelha que eram muitos. Desconsolado coma traição de Susi dentro de sua maloca, manda-a embora e ela sobe ao céu, trasnformada em uma estrela que pula.
      Cap.XIV - MUIRAQUITÃ
      Fica sabendo através dos jornais que Piaimã voltou da Europa.
      Neste capítulo, o narrador explica por que existe o sono e o homem não pode dormir em pé.
      Andando, o herói vê uma casal brincando na beira da lagoa e aproxima-se pedindo um cigarro, o moço diz que não tem e Macunaíma resolve fumar o seu de palha que traz escondido. Esperando dar a hora de ir à casa do gigante ele conta uma história ao casal, explicando que o automóvel, antigamente, era uma Onça parda que perseguida por uma tigre preta resolveu colocar quatro rodas nos pés, tomar óleo de mamona, comer um motor morder dois vagalumes...Assim, transformando-se na máquina automóvel.
      "Dizem que mais tarde a onça pariu uma ninhada enorme. Teve filhos e filhas. Por isso que a gente fala "um forde" e "uma chevrolé".
      Depois da prosa, o gigante chegou . Observando os três parados perto de sua casa, convidou-os para entrar. Perguntou ao moço se queria balançar e o moço subiu no balanço do gigante, porém a velha Ceiuci estava preparando uma macarronada e esperava o sangue do moço para engrossar o caldo. Piaimã deu-lhe um empurrão e jogou-o na macarronada fervendo Agora queria pegar o herói, porém este se recusava a balançar, fez manha e convenceu o gigante a balançar primeiro. A velha preparou o panelão sem saber quem viria engrossar o caldo. De repente, Macunaíma deu um solavanco no gigante e empurrou-o dentro da macarronada da velha Ceiuci
      Então Macunaíma matou o gigante comedor de gente e recuperou sua muiraquitã.
      "Num esforço gigantesco inda se ergueu do fundo do tacho. Afastou os macarrões que corriam na cara dele, revirou os olhos pro alto, lambeu a bigodeira:
      - Falta queijo! Exclamou...
      E faleceu."
      Cap. XV - A PACUERA DO OIBÊ
      Recuperado o talismã, resolvem voltar para a selva. Na despedida repete pela última vez a sua definição sobre o país: "Pouca saúde e muita saúva,os males do Brasil são..."
      Levou com ele um revólver e um relógio que pendurou nas orelhas, um galo e uma galinha Legorne e a muiraquitã pendurada no beiço.
      Na volta, pelo Araguaia, pegou a violinha e cantou cantigas tristes e sem sentido, enquanto ia sendo acompanhado pela comitiva de pássaros que o protegia de Sol. Lembrava da donas de pele alvinha e sentia saudades de SP. Perto do mato pegou Iriqui e procurou um lugar para passar a noite.
      Em um rancho, encontrou o monstro Oibê que estava fazendo uma pacuera . Disse que estava com fome e o monstro deu-lhe cará com farinha, água e arrumou um lugar para o herói dormir. Macunaíma roubou a pacuera de Oibê e comeu-a .Perseguido pelo monstro, vomita tudo para se livrar.
      Na correria encontrou uma princesa, brinca com ela e abandona Iriqui que fica desconsolada, por isso resolve subir ao céu. "E o Setestrelo".
      Cap. XVI - URARICOERA
      Foram chegando perto do Uraricoera e Macunaíma já começa a reconhecer o lugar, porém muita coisa havia mudado e o herói chorou. No outro dia, enquanto todos se ocupavam com algum serviço, Macunaíma deu uma chegadinha até a boca do Rio Negro para buscar a consciência deixada na ilha de Marapatá; não achando, pegou a de um hispano-americano.
      Jiguê encontra uma cabaça encantada que pertence ao feiticeiro Tzaló que tem ma perna só e, com ela, consegue pescar muitos peixes, mas Macunaíma, roubando a cabaça encantada perde-a no rio e Jiguê fica furioso e deixa todos com fome. Para se vingar do mano, Macunaíma transforma uma presa de sucuri em anzol e pede para que espete a mão de Jiguê. Machucado com o anzol, Jiguê tenta curar a ferida, mas esta transforma-se em uma lepra que devora todo o corpo de Jiguê, deixando apenas sua sombra. A princesa ficou com raiva do herói porque ultimamente andava brincando com Jiguê e ordenou que a sombra envenenada destruísse Macunaíma; assim a sombra virou uma bananeira carregadinha e o herói, faminto, devorou as bananas, adquirindo a lepra. Estando moribundo resolveu passar a doença para sete povos. Veio a Saúde e livrou Macunaíma da morte.
      A sombra voltou e engoliu a princesa e o mano Maanape, mas não conseguiu pegar o herói.
      Correndo dela, Macunaíma passou por vários lugares do Brasil, até conseguir se livrar. Enfim, a sombra econtrou um boi, subiu nas costas dele e não deixava que o bicho comesse nada, assim o boi morreu e muitos urubus vieram fazendo a festa ( aqui o narrador explica a origem do bumba-meu-boi).
      "A sombra teve raiva de estarem comendo o boi dela e pulou no ombro do urubu-ruxama. O pai do urubu ficou muito satisfeito e gritou:
      - Achei companhia pra minha cabeça, gente!
      E voou pra altura. Desde esse dia o urubu ruxama que é o Pai do Urubu possui duas cabeças.
      A sombra leprosa é a cabeça da esquerda."
      Cap. XII - URSA MAIOR
      Sozinho agora e com muita preguiça, Macunaíma amarra a rede em dois cajueiros perto de uma pedra com dinheiro enterrado em baixo. "Que solidão!"
      O único que lhe fez companhia foi um aruaí (espécie de arara) muito falador, que aprendia, repetindo, todos os casos contados pelo herói, desde sua infância. E todos os dias a ave repetia o caso da véspera e Macunaíma punha-se a contar mais um.
      Depois de muitos dias na rede, comendo caju e contando casos ao papagaio, a Sol veio fazer cosquinhas no corpo do herói e a vontade de "brincar" reapareceu forte em Macunaíma, então resolveu tomar um banho frio no vale de Lágrimas para a vontade passar. Ao olhar para o fundo das águas viu uma cunhã lindíssima, era Uiara que, mandada pela Sol para atrair o herói e matá-lo, vinha dançando e piscando até que Macunaíma pulou no fundo das águas. Atacado pelas piranhas, perdeu a perna deireita, os dedões, os "cocos da Bahia", o nariz, as orelhas e o beiço com a muiraquitã. Depois de muito procurar, encontrou tudo e colou de volta no lugar, menos a perna direita e a muiraquitã, pois foram engolidos pelo monstro Ururau. Sem um sentido agora para continuar vivendo, resolveu ser brilho inútil lá no céu, deixando escrito numa laje: "NÃO NASCI PARA SER PEDRA". No céu, Pauí-Pódole virou Macunaíma na constelação
da Ursa Maior.
     
 EPÍLOGO
      Uma feita um homem foi lá.
 


      Então o homem descobriu na ramaria um papagaio verde de bico dourado espiando pra ele.


      O papagaio veio pousar na cabeça do homem e os dois se acompanheiraram. Então o pássaro principiou falando numa fala mansa, muito nova, muito! Que era canto e que era cachiri com mel-de-pau,...
      Tudo ele contou pro homem e depois abriu asa rumo de Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história. Por isso que vim aqui. Me acocorei em riba destas folhas, catei meus carrapatos, ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo cantando na fala impura as frases e os casos de Macunaíma, herói de nossa gente."
    

  Considerações gerais
      "Passando abrupdamente do primitivo solene, à crônica jocosa e desta ao distanciamento da paródia, Mário de Andrade jogou sabiamente com níveis de consciência e de comunicação diversos, justificando plenamente o título de rapsódia, mais do que romance que emprestou à obra.
      Simbolicamente, a figura de Macuaníma, o herói sem nenhum caráter, foi trabalhada como
      síntese de um presumido "modo de ser brasileiro" descrito como luxurioso, ávido, preguiçoso e sonhador: caracteres que lhe atribuía um teórico do Modernismo, Paulo Prado, em Retrato do Brasil(1926). Mas o herói, em Mário, é colocado na metrópole nova e funde instinto e asfalto, primitivismo e modernismo.
      Macunaíma, meio epopéia, meio novela picaresca, atuou uma idéia-força de seu autor: o
      emprego diferenciado da fala brasileira em nível culto; tarefa que deveria, para ele, consolidar as conquistas do Modernismo na esfera dos temas e do gosto artístico." (Alfredo Bosi)
      "Publicado no mesmo ano de Retrato do Brasil, de Paulo Prado, Macunaíma semelha
      indicar-lhe a contraface mítica ou folclórica: a tese das duas obras é idêntica, nucleada em torno da luxúria, obsessão do brasileiro e causa de todos os seus males. Como se a rapsódia servisse de ilustração ao ensaio, as andanças macunaímicas são dum homem primitivo, adâmico, sem peias, entregue desenfreadamente aos exercícios eróticos, de onde adviriam as mazelas que sofre. Frágil ante os perigos, salva-se por via do embuste, da mentira ou do absurdo das licenças míticas, que lhe facultam atos mágicos capazes de superar as dificuldades interpostas pelos semelhantes e pela natureza." (Massaud Moisés)
      "Macunaíma, considerado dentro de um tipo de realismo que lida com o maravilhoso e com o mágico, é uma narrativa linear na medida em que observamos o desenvolvimento de sua ação dramática. As peripécias do herói, vividas num tempo e num espaço mágicos, que absorvem o mito do índio e os mitos do povo como contraponto à mitologia da sociedade tecnizada e de uma cultura colonizada, revelam na construção da narrativa a consciência da exploração do maravilhoso e do mágico, que está, aliás, já na própria criação popular, fonte de Mário de Andrade, autor erudito." (Telê Porto Ancona Lopez)

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Obra - Os Sertões (Pré-Modernismo)


Este livro é dividido em três partes: A Terra, O Homem e A Luta.


A Terra é uma descrição detalhada feita pelo cientista Euclides da Cunha, mostrando todas as características do lugar, o clima, as secas, a terra, enfim.


O Homem é uma descrição feita pelo sociólogo e antropólogo Euclides da Cunha, que mostra o habitante do lugar, sua relação com o meio, sua gênese etnológica, seu comportamento, crença e costume; mas depois se fixa na figura de Antônio Conselheiro, o líder de Canudos. Apresenta se caráter, seu passado e relatos de como era a vida e os costumes de Canudos, como relatados por visitantes e habitantes capturados. Estas duas partes são essencialmente descritivas, pois na verdade "armam o palco" e "introduzem os personagens" para a verdadeira história, a Guerra de Canudos, relatada na terceira parte, A Luta.


A Luta é uma descrição feita pelo jornalista e ser humano Euclides da Cunha, relatando as quatro expedições a Canudos, criando o retrato real só possível pela testemunha ocular da fome, da peste, da miséria, da violência e da insanidade da guerra. Retratando minuciosamente movimento de tropas, o autor constantemente se prende à individualidade das ações e mostra casos isolados marcantes que demonstram bem o absurdo de um massacre que começou por um motivo tolo - Antônio Conselheiro reclamando um estoque de madeira não entregue - escalou para um conflito onde havia paranóia nacional pois suspeitava-se que os "monarquistas" de Canudos, liderados pelo "famigerado e bárbaro Bom Jesus Conselheiro" tinham apoio externo. No final, foi apenas um massacre violento onde estavam todos errados e o lado mais fraco resistiu até o fim com seus derradeiros defensores - um velho, dois adultos e uma criança.

Fontes:
estudeonline.net/resumos_livros


Resumo da narrativa:
O imenso cenário sertanejo é o destaque inicial da obra: 'o planalto central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças, altas e abruptas. Assoberba os mares; e desata-se em chapadões nivelados pelos visos das cordilheiras marítimas, distendidas do Rio Grande a Minas'. Aos poucos, essa paisagem é particularizada, apontando os destinos entrecruzados de homens terras, ares, água, árvores e bichos.

A seguir, o autor aborda o clima sertanejo, que é indefinível porque 'nenhum pioneiro da ciência suportou ainda as agruras daquele rincão [...], em prazo suficiente para o definir'. Durante o dia prevalecem altas temperaturas, torrando tudo, e, à noite, ela cai abruptamente, enregelando a terra. A secura atmosférica no sertão é tanta que atua como uma estufa, secando tudo.

A seca faz parte da vida do habitante dessa região, o sertanejo, que, sem temê-la, munido de fé, esperança e serenidade, enfrenta-a. A caatinga, celeiro da seca, agride o viajante com seus espinhos e folhas urticantes, mas, quando não há mais nada, é de lá que o homem extrai os mandacarus para iludir seu gado, e também os mangarás das bromélias selvagens para alimentar os filhos. Chega um ponto que não resiste mais e parte em retirada, mas tão logo o flagelo acaba, lá está ele de volta, morto de saudades do sertão.

Homem permanente fatigado, o sertanejo 'reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude'. Todavia, basta um incidente qualquer para que ele se transfigure, adquirindo, subitamente, a característica de um 'titã dominador': 'a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes, aclarada pelo olhar desassombrado e forte'. Apesar disso, é crédulo, místico, deixando-se levar por superstições absurdas. Sua religião traz em si, caracteres das três raças que o formaram: o branco, o índio e o negro; como ele, sua religião é mestiça.

Após ocupar-se do clima e do sertanejo, o autor se volta para a figura de Antonio Vicente Mendes Maciel, conhecido por todos como Antonio Conselheiro. Este cearense de Quixeramobim, personagem principal do episódio de Canudos, era de família de negociantes com algumas posses. Foi um jovem tímido, sempre às voltas com os negócios do pai. Quando este morre, toma para si a tarefa abnegada de cuidar das três irmãs solteiras. Uma desilusão amorosa parece ser a responsável pela virada que dá na vida. Conta-se que sua mulher o trocou por um policial.

Envergonhado, o infeliz foge da cidade, escondendo-se no sertão.Passa a vagar de vila em vila. De cabelo e barba longos, vive de esmolas, agregando pessoas para junto de si. Como os profetas, passa a carregar um cajado e a usar túnica larga de brim azul, sandálias e chapéu de abas largas. Assim, acaba se tornando 'o evangelizador monstruoso, mas autômato'. Sempre acompanhado de um grande séqüito, ajuda os necessitados, repara ou constrói igrejas nos vilarejos carentes; para ele, os adeptos são 'seus irmãos' e estes, por sua vez, chamam-no de 'meu pai'.

Tinha horror às mulheres, vendo na sua beleza a face tentadora de Satã, falava-lhes de costas; agia assim até com as velhas beatas.

O autor passa a descrever o estilo do pregador. Sem muitos gestos, a oratória de Antonio Conselheiro era 'bárbara e arrepiante'; cheia de frases de efeito e citações, muitas vezes desconexas, de conselhos dogmáticos, confusos e de profecias esquisitas. Seus olhos, negros e vivos, tinham um brilho ofuscante que ninguém ousava contemplar. 'A multidão sucumbida abaixava [...] as vistas, fascinada, sob o estranho hipnotismo daquela insânia formidável'.

Tendo como lema: 'bem-aventurados os que sofrem', pregava apenas práticas religiosas tradicionais do sertão: jejuns prolongados, provações, martírios e procissões de penitência, através de longas e extenuantes caminhadas. Mesmo assim, o Conselheiro não era bem visto pela igreja que o considerava louco. Esta já solicitara ao governo do império a internação do beato, em um asilo para doentes mentais, mas como não havia vaga, nada foi feito. O Conselheiro, espécie de grande homem pelo avesso, seguia 'sem tropeços na missão 'pervertedora', avultando na imaginação' e crença popular. Outra característica em destaque é a de que o beato era extremamente conservador e contra o regime republicano. Para ele, a nova república - o anticristo, a ordem de satanás - separara a igreja do Estado, instituindo, entre outras coisas, o casamento civil que lhe tirava a primazia de celebrar casamentos.

Conforme o relato, o primeiro confronto de seus seguidores com a polícia se deu quando incitou os habitantes de um pequeno vilarejo a não pagar impostos instituídos pelo novo regime. Após o choque violento, resultando em mortos de ambos os lados, o Conselheiro, que percorrera o sertão numa romaria ininterrupta de vinte anos, decidiu parar, escolhendo uma fazenda abandonada, onde, longe do governo, pudesse praticar, com seu povo, sua religião. Nascia Canudos, fundada imediatamente por milhares de taperas de pau-a-pique, ao redor da praça central, onde começaram a construir uma grande igreja, faceando uma outra, de tamanho menor, pertencente à antiga fazenda. Com as duas igrejas na praça central, Canudos logo tomou ares de arraial. Com o passar do tempo, a vila, que estava aberta a todos, passou a ter uma população constituída dos mais diversos tipos: do matuto crédulo, vaqueiro iludido ao jagunço errante, forte e destemido.

Todos eram bem vindos, pois neles estava à força do arraial. Essa gente despojava-se de tudo, aceitando, cegamente, o que vinha do beato, senhor e lei naquele deserto. O uso de cachaça, por exemplo, era rigorosamente punido. O estupro, não. 'Não é para admirar que se esboçasse logo, em Canudos, a promiscuidade [...]. Porque o dominador, se não estimulava, tolerava o amor livre'. Para os crentes que ali paravam, Canudos era o cosmos, um ponto de passagem transitório 'na romaria miraculosa para os céus'.

Em Juazeiro, correu um boato que os jagunços do conselheiro iriam atacar a cidade por causa do atraso na entrega da madeira para a igreja nova do arraial. Para tranqüilizar a população, que já se pusera em alvoroço, o governador decide enviar a Canudos, em missão punitiva, 104 homens, chefiados pelo tenente Pires Ferreira.

Como Antonio Conselheiro tinha homens - espiões - em todos os lugares, ficaram sabendo da expedição e resolveram preparar-lhe uma cilada, antes de chegar ao arraial. Isso ocorreu no povoado de Uauá, onde os soldados tinham parado.
Disfarçados de penitentes, em uma imensa procissão de flagelados, carregando à frente uma cruz e o estandarte do Divino, os homens do batalhão do beato, armados de paus, facões, foices, pedras e velhas espingardas, foram em cima dos soldados, numa luta corpo-a-corpo feroz. Depois de algumas horas de combate sangrento, os jagunços puseram os soldados para correr, mesmo tendo mais perdas do que o inimigo.

Com o fracasso da primeira expedição, uma segunda foi organizada, desta vez com mais de 500 homens, chefiados pelo major Febrônio de Brito. Antes de seguir caminho para Canudos, ficaram baseados em Monte Santo, durante quinze dias. Conhecida pela via sacra ao topo do monte, o vilarejo, ao sul de Canudos, transformou-se. Para os habitantes, acostumados a receber apenas romeiros em penitência, com o batalhão de Febrônio, a pacata cidade tomou ares de festa.

Como da primeira vez, os aliados do Conselheiro levaram notícias da expedição aos homens do arraial, que resolveram surpreendê-los em emboscada, quando estivessem nos morros próximos de Canudos. Assim fizeram e, em apenas dois dias, venceram a batalha, afugentando os adversários cansados e despreparados para enfrentar o sertão. Essa derrota foi motivo para fantasiarem o real e o beato se torna questão nacional. Dizia-se que, sob disfarce do fanatismo religioso, Canudos representava, na verdade, uma reação monarquista, com adeptos em todo o país e, quiçá, no exterior.

A terceira expedição foi preparada. Desta vez, era mais poderosa, com quatro canhões e 1300 homens, comandados por Moreira César. Esse comandante era famoso pela autoconfiança, coragem e também pelo temperamento impulsivo e instável. Traços que podem ter a ver com sua doença: epilepsia. Durante a campanha, sofre ataque epilético e comete dois erros estratégicos. No primeiro, ignora a caminhada, longa e extenuante, feita pelos soldados, que famintos e sedentos, são obrigados a atacar arraial. No segundo, imprudentemente, ordena estes mesmos soldados a lutarem corpo-a-corpo com os adversários, complicando a movimentação da tropa, perdida na rede de ruas labirínticas do arraial, inviabilizando a ação da artilharia que, se atirasse, poderia ferir os amigos.

A situação dos soldados se complicava gradativamente. De repente, saindo de sua posição e dizendo que daria brio àquela gente, Moreira César rumou, corajosa e inconseqüentemente, para linha de fogo na direção do arraial, mas foi logo ferido, morrendo à noite. Na hierarquia, o próximo comandante seria o coronel Pedro Nunes Tamarindo que, desde o começo, discordara da atuação de Moreira César.

Vendo aquela tropa toda desarticulada, deseja fugir, derrotado. Quando um soldado chama-o para assumir sua posição diz: 'é tempo de murici, cada um cuide de si'. Entretanto, mais tarde, é baleado na fuga. Os soldados, por sua vez, largando tudo, até o cadáver de Moreira César, saem em debandada. Os conselheiristas ficam com todo armamento abandonado e decapitam alguns soldados mortos, colocando as cabeças na estrada.

O fracasso dessa expedição e a morte do corajoso Moreira César deram à imprensa motivos para criar histórias sobre os monarquistas e contra a grande ameaça à pátria - o arraial. Esses fatos demandavam outra expedição. De um bom número de estados do Brasil, foram recrutados mais de 5.000 homens. Para chefiá-los, convocaram o general Artur Oscar de Andrade Guimarães. Além disso, as tropas seriam divididas em colunas. Duas ficariam baseadas em Monte Santo, enquanto a outra, comandada pelo general Cláudio Savaget sairia de Aracaju. A primeira trazia consigo um imenso e pesado canhão, apelidado de 'matadeira' pelos sertanejos.

Como as tropas anteriores, a primeira coluna foi surpreendida em uma emboscada no Morro da Favela, atrapalhando-se e logo se desarticulando. O exército disparava para o arraial, enquanto, entrincheirados nos morros, os rebeldes insurgentes revidavam, deixando um saldo de mortos e feridos dos dois lados. A primeira coluna foi salva, graças à chegada de Savaget com seu segundo batalhão. Após um dia exaustivo de luta feroz e sangrenta, ao anoitecer, os soldados largavam as armas, para então ouvir, no silêncio desolador das noites sertanejas, as longínquas e agourentas rezas e cânticos dos inimigos. Os praças passaram um mês entre os jagunços do beato, o desânimo e a fome, morrendo, na maioria das vezes, em busca do que comer. Entre mortos e feridos, aproximadamente 900 estavam fora de combate. Os feridos foram escoltados por 'praças de infantaria até o extremo sul da zona perigosa, Juá'. Sem recursos e combalidos, enfrentavam a longa caminhada sob o sol inclemente da caatinga.

Outra intervenção do governo reuniu 3.000 homens em Monte Santo sob o comando do Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado de Bittencourt. Para ele, cansaço, sede e fome, enfrentados pelos praças no trajeto causticante de Monte Santo a Canudos, foram a causa do fracasso das missões anteriores. A questão não era quantidade de homens e, sim, de mulas para transportar alimento e água para os soldados, entrincheirados próximos do arraial. Na sua opinião, 'mil burros mansos valiam, na emergência, por dez mil heróis'. A partir das primeiras levas de bestas, enviadas por ele ao campo de guerra, as tropas começaram a vencer.

A igreja matriz foi bombardeada e destruída, ocorrendo assim o cerco, os incêndios e a destruição de Canudos, tomada no dia 5 de outubro de 1897, quando seus quatro últimos defensores, resistindo sem se render, morreram diante de milhares de soldados enfurecidos. Destruíram 5.200 casas, 'cuidadosamente contadas', e com elas milhares de pessoas foram mortas. Dentre elas, os jagunços: João Abade, Pajeú, Pedrão, homens de confiança do Conselheiro, e os acólitos religiosos do beato: José Beatinho, Paulo José da Rosa, Timotinho, o sineiro, que caiu junto com a torre da igreja.

Deu-se então o massacre dos prisioneiros, na sua maioria mulheres, velhos, pessoas enfermas, moribundas e crianças. As mulheres não perigosas e as crianças foram poupadas da 'degola', que deveria ocorrer após um viva à República. Mas, sabendo da morte próxima, os prisioneiros davam vivas ao Conselheiro. Este não resistiu a uma grave disenteria, e aos problemas resultantes de um ferimento de granada, falece no dia 22 de setembro.

Segundo o autor, na campanha de Canudos, pairava um dualismo incoerente, em que 'a selvageria impiedosa amparava-se à piedade pelos companheiros mortos'. A campanha não cumpria as leis, vingava-se. A 'degola', punição infinitamente mais prática, segundo a ideologia local, foi feita aleatoriamente, porque contavam com a impunidade. O sertão é o esconderijo. 'Quem lhe rompe as trilhas, ao divisar à beira da estrada a cruz sobre a cova do assassinado, não indaga do crime. Tira o chapéu, e passa'. Canudos, cercado de montanhas, 'era uns parênteses; era um hiato. Era um vácuo. Não existia. Transposto aquele cordão de serras, ninguém mais pecava'.

O cadáver do Conselheiro é exumado e fotografado para que 'o país se convencesse bem de que estava afinal extinto aquele' terrível mal. Num gesto rotineiro, decapitaram-no e enviaram o crânio hediondo a Salvador, para 'que a ciência dissesse a última palavra'



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Triste fim de Policarpo Quaresma
Autor: de Lima Barreto

Análise da obraA obra focaliza fatos históricos e políticos ocorridos durante a fase de instalação da república, mais precisamente no governo de Floriano Peixoto (1891 - 1894). Seus ataques, sempre escachados, derramam-se para todos os lados significativos da sociedade que contempla, a Primeira República, ou seja, as primeiras décadas desse regime aqui no Brasil.

Assim, Lima Barreto encaixa-se no Pré-Modernismo (1902-22), pois, respeita códigos literários antigos (principalmente o Naturalismo, com uma linguagem nova, mais arejada em relação ao momento anterior.

O romance narrado em terceira pessoa, descreve a vida política do Brasil após a Proclamação da República, caricaturizando o nacionalismo ingênuo, fanatizante e xenófobo do Major Policarpo Quaresma, apavorado com a descaracterização da cultura e da sociedade brasileira, modelada em valores europeus.

Divertido e colorido no início, o livro se desdobra no sofrimento patético do major Quaresma, incompreendido e martirizado, convertido numa espécie de Dom Quixote nacional, otimista incurável, visionário, paladino da justiça, expressando na sua ingenuidade a doçura e o calor humano do homem do povo.

O romance anuncia no título o seu desfecho pouco alegre, apesar do enredo em que os efeitos cômicos estão aliados ao entusiasmo ingênuo do personagem central e ao seu inconformismo e obsessões. Quaresma é um tipo rico em manifestações inusitadas: seus requerimentos pedindo o tupi-guarani como língua oficial, seu jeito de receber chorando as visitas, suas pesquisas folclóricas; tudo procurando despertar o riso no leitor que, no final, presencia sua morte solitária e triste: “Com tal gente era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente num ilhéu qualquer, mas levando para o túmulo inteiramente intacto o seu orgulho, a sua doçura, a sua personalidade moral, sem a mácula de um empenho, que diminuísse a injustiça de sua morte, que de algum modo fizesse crer aos algozes que eles tinham direito de matá-lo”.

Estrutura da obra - A obra divide-se em três partes.

Primeira parte – A retratação do personagem, características, relações, manias e ações.

Segunda parte - Mostra o Major Quaresma desiludido com as incompreensões o que o faz se retirar para o campo onde se empenha na reforma da agricultura brasileira e no combate às saúvas.

Terceira parte - Acentua-se a sátira política. Mais uma  ilusão de  valores equivocados e no final, tal qual Dom Quixote, Quaresma acorda, recobra a razão. Percebe que a pátria, por que sempre lutara, era uma ilusão, nunca existira. Num momento pungente, tocante, descobre que passara toda a sua vida numa inutilidade.

Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, na configuração dos elementos da narrativa, notamos a presença predominante da ironia e as impertinências ilusões do personagem.

No livro, encontramos ora um Quaresma, entusiasmado, apaixonado pelo Brasil, ora um Quaresma desiludido, amargo, diante da ingratidão do país para com seus bons objetivos.

Temos o personagem central vivendo três momentos na obra:
valorizando as coisas da terra – a história, a geografia, a literatura, o folclore;  no sítio do sossego a frustrada busca de uma solução para o problema agrário, o que faz o romance se vestir de uma profunda atualidade; finalmente, o envolvimento na Revolta da Armada, o que acaba lhe custando a vida.
A narrativa

O funcionário público Policarpo Quaresma, nacionalista e patriota extremado, é conhecido por todos como major Quaresma, no Arsenal de Guerra, onde exerce a função de subsecretário. Sem muitos amigos, vive isolado com sua irmã Dona Adelaide, mantendo os mesmos hábitos há trinta anos. Seu fanatismo patriótico se reflete nos autores nacionais de sua vasta biblioteca e no modo de ver o Brasil. Em casa ou na repartição, é sempre incompreendido.

Esse patriotismo leva-o a valorizar o violão, instrumento marginalizado na época, visto como sinônimo de malandragem. Atribuindo-lhe valores nacionais, decide aprender a tocá-lo com o professor Ricardo Coração dos Outros. Em busca de modinhas do folclore brasileiro, para a festa do general Albernaz, seu vizinho, lê tudo sobre o assunto, descobrindo, com grande decepção, que um bom número de nossas tradições e canções vinha do estrangeiro. Sem desanimar, decide estudar algo tipicamente nacional: os costumes tupinambás. Alguns dias depois, o compadre, Vicente Coleoni, e a afilhada, Dona Olga, são recebidos no melhor estilo Tupinambá: com choros, berros e descabelamentos. Abandonando o violão, o major volta-se para o maracá e a inúbia, instrumentos indígenas tipicamente nacionais.

Ainda nessa esteira nacionalista, propõe, em documento enviado ao Congresso Nacional, a substituição do português pelo tupi-guarani, a verdadeira língua do Brasil. Por isso, torna-se objeto de ridicularizarão, escárnio e ironia. Um ofício em tupi, enviado ao Ministro da Guerra, por engano, levá-o à suspensão e como suas manias sugerem um claro desvio comportamental, é aposentado por invalidez, depois de passar alguns meses no hospício.

Após recuperar-se da insanidade, Quaresma deixa a casa de saúde e compra o Sossego, um sítio no interior do Rio de Janeiro; está decidido a trabalhar na terra. Muda-se para o campo. A idéia de tirar da fértil terra brasileira seu sustento e felicidade. Estuda o assunto e aprende e aprende a manejar a enxada. Orgulhoso da terra brasileira que, de tão boa, dispensa adubos.

Depois de algum tempo, o projeto agrícola de Quaresma cai por terra, derrotado por três inimigos terríveis. Primeiro, o clientelismo hipócrita dos políticos. Como Policarpo não quis compactuar com uma fraude da política local, passa a ser multado indevidamente.O segundo, foi a deficiente estrutura agrária brasileira que lhe impede de vender uma boa safra, sem tomar prejuízo. O terceiro, foi a voracidade dos imbatíveis exércitos de saúvas, que, ferozmente, devoravam sua lavoura e reservas de milho e feijão. Desanimado, estende sua dor à pobre população rural, lamentando o abandono de terras improdutivas e a falta de solidariedade do governo, protetor dos grandes latifundiários do café. Para ele, era necessária uma nova administração.

A Revolta da Armada - insurreição dos marinheiros da esquadra contra o continuísmo florianista - faz com que Quaresma abandone a batalha campestre e, como bom patriota, siga para o Rio de Janeiro. Alistando-se na frente de combate em defesa do Marechal Floriano, torna-se comandante de um destacamento, onde estuda artilharia, balística, mecânica.

Durante a visita de Floriano Peixoto ao quartel, que já o conhecia do arsenal, Policarpo fica sabendo que o marechal havia lido seu "projeto agrícola" para a nação. Diante do entusiasmo e observações oníricas do comandante, o Presidente simplesmente responde: "Você Quaresma é um visionário".

Após quatro meses de revolta, a Armada ainda resiste bravamente. Diante da indiferença de Floriano para com seu "projeto", Quaresma questiona-se se vale a pena deixar o sossego de casa e se arriscar, ou até morrer nas trincheiras por esse homem. Mas continua lutando e acaba ferido. Enquanto isso, sozinha, a irmã Adelaide pouco pode fazer pelo sítio do Sossego, que já demonstra sinais de completo abandono. Em uma carta à Adelaide, descreve-lhe as batalhas e fala de seu ferimento. Contudo, Quaresma se restabelece e, ao fim da revolta, que dura sete meses, é designado carcereiro da Ilha das Enxadas, prisão dos marinheiros insurgentes.

Uma madrugada é visitado por um emissário do governo que, aleatoriamente, escolhe doze prisioneiros que são levados pela escolta para fuzilamento. Indignado, escreve a Floriano, denunciando esse tipo de atrocidade cometida pelo governo. Acaba sendo preso como traidor e conduzido à Ilha das Cobras. A morte será o triste fim de Policarpo Quaresma.

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Obra: Canaã 
Autor Graça Aranha

Milkau, alemão, recém-chegado, o a uma colônia de imigrantes europeus, no Espírito Santo, aluga um cavalo para ir do Queimado à cidade de Porto do Cachoeiro. Junto com ele vai o guia, um menino de 9 anos, filho de um alugador de animais, no Queimado.
O imigrante observa a paisagem e, ao passar por uma fazenda abandonada, entregue aos poucos e pobres escravos, nota o ritmo daquela gente desamparada. Finalmente, chega ao sobrado do comerciante alemão, Roberto Schultz, em Cachoeiro. Na parte inferior do edifício fica o armazém, onde é negociada toda sorte de produtos, desde fazenda até instrumentos agrícolas.
É apresentado a outro imigrante, von Lentz, filho de um general alemão. Milkau deseja arrematar um lote de terra para se estabelecer. Schultz apresenta-lhe o agrimensor, Sr.Felicíssimo, que está para ir ao Rio Doce fazer medições de terra. Milkau, desejando aí se estabelecer, decide se juntar ao agrimensor e convida o indeciso Lentz para acompanhá-lo.
Pelo caminho, Lentz e Milkau discutem a paisagem e a raça brasileiras. Milkau crê que o progresso só se dá quando os povos se misturam. Vê, na fusão das raças adiantadas com as selvagens, o rejuvenescimento da civilização. Enquanto acredita na humanidade, pensa encontrar no Brasil Canaã, "a terra prometida". Lentz só se ocupa da superioridade germânica, ficando enaltecido com o triunfo dos alemães sobre os mestiços. Para ele, a mistura gera uma cultura inferior, uma civilização de mulatos que serão sempre escravos e viverão em meio a lutas e revoltas. Acrescenta que está no Brasil, porque o estava forçando a se casar com a filha de um general, amigo do pai. Preferiu começar vida nova, longe dos deveres e obrigações impostos por sua sociedade. Milkau conta-lhe que também não encontrava graça no viver, ansiava por uma vida mais independente, em que pudesse dar vazão à sua individualidade.
À noite, reúnem-se a Felicíssimo e ouvem de alguns homens da terra e dos trabalhadores alemães lendas, evocando o Reno e despertando saudades. Os planos dos dois imigrantes diferem; Milkau deseja manter seu pedaço de terra e anseia por uma justiça perfeita sem ganâncias ou lutas. Lentz está determinado a ampliar sua propriedade, ter muitos trabalhadores sob seu comando. Sonha com o domínio do branco sobre o mulato, numa confirmação de seu poder.
Após as medidas tomadas por Felicíssimo, Milkau pode levantar sua casa e Lentz deixa-se ficar, triste e angustiado, incapaz de abandonar o companheiro, dedicando-se às viagens e compras da casa. No trajeto, encontra-se sempre com um velho colono alemão taciturno, em companhia de seus cães ferozes, mas fiéis. Mais tarde, encontrará esse velho morto em casa, guardado pelos animais e devorado pelos urubus.
Um dia, ao retornar de Santa Teresa, Lentz traz a notícia de que, em Jequitibá, o novo pastor vai celebrar seu primeiro serviço. Os colonos preparam uma festa e Milkau resolve juntar-se a eles como forma de se familiarizar com os costumes do povo. Pelo caminho, os amigos encontram famílias inteiras de colonos. As mulheres se vestem com o modelo usado na partida para a nova terra, sendo possível fixar, pelo vestuário, a época de cada imigração.
Felicíssimo os convida para, depois do culto, festejarem no sobrado de Jacob Müller. Ouvem música e vêem o povo dançando. Milkau diz a Lentz que era isso o que buscava: uma vida simples em meio à gente simples, matando o ódio e esquecendo da dor. Os homens de outras terras estavam possuídos pelo demônio, devastando o mundo. Lentz vê em tudo aquilo uma existência vazia e inútil.
Milkau conhece, nesse dia, no sobrado de Müller, uma colona, Maria Perutz, que não consegue mais esquecer o encontro com o rapaz. A história de Maria é triste e solitária. O pai morreu antes que ela pudesse conhecê-lo. A mãe viúva, criada da casa do alemão Augusto Kraus, logo falece e Maria fica sob os cuidados de Augusto, seu verdadeiro amigo. Moravam com o velho, seu filho, a nora Ema e o neto, Moritz Kraus. Repentinamente, Kraus falece e a situação na casa de Maria se modifica.
Ema e o esposo decidem separar a moça do filho, temendo uma aproximação amorosa. A família quer ver Moritz casado com a rica Emília Schenker e o enviam para longe de Jequitibá. O rapaz parte com certa alegria, deixando Maria desgostosa, pois os dois já eram amantes.
Franz Kraus é procurado por um Oficial de Justiça que, desejando saber porque a morte do velho não foi notificada, passa-lhe um documento sobre a necessidade de arrolamento dos bens de Augusto Kraus. Solicita que lhe prepare alojamento e comida para cinco pessoas, pois darão plantão em sua casa, recebendo todos os que estiverem na mesma situação de Franz.
O grupo se instala na casa e passa a chamar os colonos, amedrontando-os com extorsões e violências. Após a visita, cobram de Franz Kraus a alta importância de quatrocentos mil réis, além de demonstrarem certo interesse em Maria, notadamente o procurador Brederodes. Kraus sente-se ultrajado e roubado. A vida de Maria por essa época piora. Dia-a-dia, teme que seu estado se revele, por isso aguarda desesperadamente o retorno de Moritz para lhe contar sobre o filho que espera.
Os pais do rapaz não tardam perceber o que se passa. Vendo-a mover-se pela casa languidamente, sentem ódio e temem pelo casamento do filho. Passam o dia a cochichar, a tramar para se verem livres dela. Tratam-na com mais rigor, não lhe dão quase comida, dobram-lhe os trabalhos. Resignada, Maria resiste para desespero dos velhos. Uma manhã, trêmula e exausta deixa cair um prato. Encolerizada, Ema grita para que ela abandone a casa. O marido ameaça-lhe com um pedaço de madeira. Amedrontada, arruma uma trouxa e sai. Pede auxílio ao pastor, mas esse, dominado pela cunhada, docemente afasta Maria que parte para a vila em busca de abrigo.
Ao verem a triste figura, os colonos tomam-na por louca, enxotando-a. Na floresta, seu único refúgio, cai prostrada e adormece. No dia seguinte, encontra uma estalagem, onde empenha a trouxa de roupa em troca de comida e abrigo. A dona do estabelecimento lhe dá dois dias para encontrar um emprego, mas a busca é em vão. Certo dia, na hora do almoço, Milkau reconhece Maria na estalagem. Ao saber de sua história, prontifica-se a ajudá-la, levando-a para a casa de uns colonos. A moça é aceita, mas tratada com desdém.
Um dia, trabalhando, solitariamente, no cafezal, começa a sentir as dores do parto. Temendo retornar à casa e ser maltratada, resiste até cair e, esvaindo-se em sangue, dá luz ao bebê. Alguns porcos, que estavam nas proximidades, correm para lambê-los, mordendo o bebê que falece. A filha dos patrões chega nesse instante e, sem nada perguntar, volta à casa, dizendo que Maria tinha matado o bebê e dado a criança aos porcos. Dois dias depois, Perutz estava presa na cadeia de Cachoeiro.
A população germânica, horrorizada com o crime de Maria, prepara-se para a vingança e o exemplo. Roberto Shultz procura os mesmos representantes da Justiça que amedrontaram e extorquiram os colonos, durante o arrolamento de bens. Pede-lhes que deixem a punição da mãe assassina para os alemães. O procurador Brederodes, ignorado por Maria na época, insiste em puni-la para que aprenda a não ser tão orgulhosa. Chama todos os alemães de hipócritas e parte, deixando Shultz desmoralizado.
Milkau fica sabendo do destino de Perutz e o encontro com ela em Cachoeiro choca-o. Maria tinha a face lívida e os olhos cintilantes dançavam ao sabor da loucura. Volta a vê-la dias seguidos, passando a ser olhado com desprezo e desconfiança, pois, talvez, fosse o amante. Repelido pelos moradores, resigna-se com a condição de inimigo, permanecendo ao lado de Maria.
Certa manhã, estando em companhia de Felicíssimo, Milkau encontra Maria, sendo levada por dois soldados para o tribunal. Em cada fase do julgamento, é apontada culpada. Milkau acompanha todas as sessões, chegando a ficar amigo do juiz Paulo Maciel. Este lhe diz que o final não será feliz, pois os depoimentos não deixam brecha para a inocência. O imigrante e Maciel aproveitam os encontros para analisar a justiça brasileira, os brasileiros e seu patriotismo.
A avaliação não é das melhores. O juiz impossibilitado de fazer justiça por uma série de circunstâncias observa que a decadência ali existente é um "misto doloroso de selvageria dos povos que despontam para o mundo, e do esgotamento das raças acabadas. Há uma confusão geral". Milkau crê que se pode chegar a algo melhor. Entretanto, à medida que acompanha o definhar da amiga, vai se deixando tomar pela tristeza.
Finalmente, numa noite, Milkau tira Maria da prisão e foge com ela, correndo pelos campos em busca de Canaã, "a terra prometida", onde os homens vivem em harmonia.

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Versos Íntimos
Autor: Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
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Psicologia de um vencido  

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –
Que  sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

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Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.


"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!


Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!


A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!


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O morcegoAutor: Augusto dos Anjos

Autor: Augusto dos Anjos